Após dois anos de paradas forçadas por escassez de componentes, principalmente de chips, as fabricantes brasileiras de veículos voltam a interromper a produção, mas, desta vez, também por falta de consumidores. A desaceleração da atividade econômica, inflação alta e juros elevados estão frustrando as expectativas do setor e levando empresas a ajustarem os planos de produção. A partir de hoje, pelo menos três grandes companhias, General Motors, Hyundai e Stellantis (dona das marcas Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën) vão suspender linhas de produção e dar férias coletivas aos funcionários. O quadro de desaquecimento de vendas pode se prolongar até 2024, na visão de economistas do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, e novas paradas de fabricas devem ocorrer.
Nesta segunda-feira, 20, a Hyundai concede férias coletivas de três semanas para os trabalhadores dos três turnos da unidade que produz os modelos HB20 e Creta em Piracicaba (SP). Na quarta-feira, 22, a Stellantis dispensa por 20 dias os funcionários do segundo turno da fábrica da Jeep em Goiana (PE) e, uma semana depois, os operários do primeiro e do terceiro turnos, por dez dias, período em que toda a produção dos SUVs Renegade, Compass, Commander e da picape Fiat Toro estará paralisada.
A General Motors também suspenderá a produção da picape S10 e do SUV Trailblazer na planta de São José dos Campos (SP) de 27 de março a 13 de abril. No fim de fevereiro, a fábrica que produz os modelos das marcas francesas Peugeot e Citroën, também do grupo Stellantis, encerrou o segundo turno de trabalho em Porto Real (RJ) e antecipou a dispensa de 140 funcionários com contratos temporários.
As montadoras afirmam que o motivo das medidas é a queda da demanda e a consequente necessidade de adequar os níveis de produção. No caso das duas marcas francesas, o impacto é maior nas exportações. “Ao contrário do último biênio, em que a oferta era a principal fonte de desafios da indústria automobilística, a demanda deve ser o fator-chave para o cenário de 2023-2024”, assinala o Depec, em relatório assinado pelo economistas Renan Bassoli Diniz e Myriã Bast.
Em 2019, as vendas de veículos no Brasil foram de 2,787 milhões de unidades – patamar já considerado baixo. No ano passado, esse número caiu para 2,104 milhões de unidades, ou 24,5% menos.
O setor já vinha de um desgaste forte, com a falta de semicondutores para a produção que levou a uma perda de 630 mil veículos que deixaram de ser produzidos nos últimos dois anos. O problema é bem menor no momento, embora ainda persista. A Volkswagen vai suspender toda a produção na planta de Taubaté (SP) por dez dias também a partir do dia 27. Entre fim de fevereiro e início deste mês a marca já tinha paralisado as linhas das outras três unidades no País alegando falta de componentes.
No fim de fevereiro havia 187,4 mil carros nos pátios das montadoras e das concessionárias, suficientes para 40 dias de vendas, acima da média normal que é de 30 35 dias. Os preços dos carros usados, que haviam apresentado alta valorização no período de escassez dos novos, pararam de subir e até promoções nas vendas dos zero quilômetro, que estavam raras nos últimos meses, estão de volta.
Diante desse cenário, as paradas que estão ocorrendo nas fábricas visam segurar a produção para evitar um grande acúmulo de estoques, algo que pressionaria para baixo os preços dos automóveis. “Não há outra alternativa para as empresas, pois se não readequarem a produção para a nova realidade vão perder muito dinheiro”, avalia Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil.
Em sua opinião, o problema de demanda já vinha ocorrendo, mas no ano passado foi, de certa forma, “maquiado” pela falta de chips. O crescimento de vendas previsto para este ano, na casa dos 4% nas contas da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) é pequeno e muitas montadoras continuarão fazendo ajustes. “No ano passado não teve essa necessidade porque houve muitas paralisações por causa da falta de semicondutores”, diz Trujillo.
Estudo recém-concluído pela S&P Global mostra que a indústria automotiva brasileira opera com quase 40% de ociosidade. A capacidade produtiva do setor é de 3,6 milhões de veículos ao ano com a maioria das fábricas operando em dois turnos. Se fosse em três turnos, seria de 4,3 milhões de unidades.
“Além de ajustes com férias coletivas, como já está acontecendo, é possível que ocorram demissões”, prevê Trujillo.
No início do mês, quando avisou o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos sobre as férias coletivas, a General Motors demitiu cerca de 40 funcionários, segundo Renato Almeida, secretário-geral da entidade.
“A empresa informou que 7 mil pedidos de carros foram cancelados e, por isso, precisaria reorganizar a produção”, diz Almeida. O processo foi suspenso após os funcionários ameaçarem greve e foi agendada uma reunião de negociações para 19 de abril. A abertura de um Programa de Demissão Voluntária (PDV) pode ser uma das alternativas, diz ele.
Várias empresas aproveitaram o fim de semana para realizar promoções e baixar estoques. As revendas Fiat ofereceram descontos de até R$ 30 mil, juro zero e tanque cheio (de diesel) por um ano – neste último caso para a picape Toro. A rede Hyundai ofereceu seguro gratuito e condições especiais para troca de usados por novos. Já as 42 lojas da Hyundai/Caoa deram bônus de até R$ 4 mil e juros menores.
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