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O grande salto da Vulcabras

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No comando da Vulcabras desde 2015, Pedro Bartelle assumiu a companhia em meio a uma profunda reestruturação e a conduziu para os melhores resultados em 70 anos (Crédito:Claudio Gatti)

Correr é a paixão do gaúcho Pedro Bartelle. Dos 14 aos 22 anos, ergueu troféus no kart, na Fórmula Ford, na Fórmula Chevrolet e na Fórmula 3. Mas o menino de ouro de Farroupilha, como era conhecido, decidiu ainda muito jovem trocar a sapatilha e o macacão do automobilismo por terno, gravata e… tênis. Aos 47 anos, como CEO do Grupo Vulcabras, ele comprova que pegou gosto por vitórias no campo dos negócios. Desde 2015, quando assumiu o volante da empresa formada pelo pai e pelo tio, Pedro e Alexandre Grendene, conduziu a Vulcabras de uma dolorosa reestruturação ­ — com demissões em massa, fechamento de fábricas e cortes profundos de custos ­— para os melhores resultados dos 70 anos de história da companhia. No ano passado, o faturamento atingiu o recorde de R$ 2,9 bilhões, alta de 32,6% sobre os R$ 2,2 bilhões do ano anterior.

A produção, de 31,7 milhões de pares no mesmo período, representou um crescimento de 17% na comparação com 2021. Com esses recordes, a Vulcabras começou 2023 embalada. De janeiro a março deste ano atingiu receita de R$ 668,6 milhões, expansão de 21,7% sobre igual período do ano anterior.

Foi o décimo trimestre consecutivo de crescimento. Performance impressionante para uma empresa que acumulava margens espremidas e dívidas de quase R$ 1 bilhão em 2011.

Pesquisa e licenciamento

A cartilha de Bartelle, que levou a Vulcabras do prejuízo ao pódio, seguiu uma estratégia bem definida. Com orçamento de R$ 600 milhões para investir em pesquisa, desenvolvimento de novos produtos e aquisições, a empresa comprou em 2018 o licenciamento da marca americana Under Armour, hoje líder em basquete no Brasil.

Em 2020, a Vulcabras licenciou para a Grendene, empresa da família, a marca Azaleia, de moda feminina. O plano era concentrar todos os esforços no segmento de calçados, roupas e acessórios esportivos.

No ano seguinte, comprou da Alpargatas a operação da Mizuno no País. Pronto. A companhia estava estruturada para acelerar o crescimento.

“Antes, tínhamos as rédeas da companhia, mas não tínhamos velocidade. Com esses ajustes, a empresa disparou”, afirmou Bartelle, em entrevista à DINHEIRO na fábrica de Parobé (RS).

“O foco no esportivo criou um maior sincronismo e eficiência na Vulcabras, o que ajudou a nos tornar a única sportech global 100% brasileira.”

Pedro Bartelle, CEO do Grupo Vulcabras

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A definição “sportech global” não é, segundo o executivo, só um slogan criado pelo departamento de marketing. O plano de Bartelle é tornar a Olympikus, marca que responde por 50% das vendas da Vulcabras, uma gigante global de artigos esportivos.

Duas semanas atrás, a companhia inaugurou sua primeira operação na Espanha, mercado que será um hub de distribuição e venda para toda a Europa. A ideia é fazer o mercado espanhol um laboratório para outros países.

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As exportações respondem, atualmente, por 10% do resultado total. A meta é dobrar isso nos próximos anos e compensar a retração dos negócios em países importantes para a empresa, como a Argentina, onde as vendas são hoje metade do que já foram uma década atrás.

“Vamos buscar mercados com potencial para os nossos produtos. Hoje não perdemos em qualidade para nenhum fabricante asiático”, disse o CEO. “Ao contrário, estamos exportando cada vez mais produtos e tecnologia para os Estados Unidos, Japão e empresas com marcas globais.”

Grafeno

Dentro do Brasil, de onde vem 90% do faturamento, o foco é aumentar a qualidade dos tênis e reduzir os preços. A conta dessa aparente contradição, segundo Bartelle, só fecha com a incorporação de tecnologia.

A grande aposta da Olympikus, por exemplo, é o modelo Corre Grafeno, equipado com uma exclusiva placa de propulsão de grafeno ­— matéria-prima abundante no País — que substitui a fibra de vidro ou fibra de carbono utilizadas nos concorrentes para os tênis de alta performance, a um custo até 80% menor.

Como comparação, o produto chega às prateleiras por R$ 799, enquanto produtos premium equivalentes de marcas como Nike, Adidas e Asics variam de R$ 1,8 mil a R$ 2,5 mil.

“Os investimentos em pesquisa e o lançamento de tecnologias exclusivas têm nos ajudado a democratizar o acesso a produtos de altíssima qualidade e alinhados com a realidade e o poder de compra dos brasileiros.”

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Custos ajustados

A obsessão da Vulcabras por otimização de custos é uma herança do período de austeridade da reestruturação e também passa pela nacionalização das matérias-primas, máxima utilização da capacidade de produção e sincronia aeróbica do supply chain.

Atualmente, 90% dos insumos utilizados na produção da companhia são nacionais, desde os tecidos até a borracha. Já as fábricas da empresa nos estados do Ceará,da Bahia e do Rio Grande do Sul estão com 100% da capacidade instalada, com funcionários em dois turnos e maquinário operando 24/7.

A estrutura comercial e de distribuição, dentro do conceito de indústria 4.0, desenvolveu um sistema de reabastecimento mensal das lojas, com itens de maior saída.

A média do mercado calçadista, especialmente de itens importados, é de reposição dos estoques a cada três ou até seis meses. Com essa velocidade de reposição, os produtos Olympikus, Under Armour e Mizuno entram menos em liquidações.

Além de ampliar o acesso a produtos de alta performance no segmento de running no varejo brasileiro e de consolidar a Olympikus no mercado europeu, Bartelle quer ressuscitar a marca no futebol.

Mesmo depois de ter patrocinado Fluminense, Flamengo e Cruzeiro, ela abandonou os estádios quando houve, na avaliação dele, uma hipervalorização dos contratos entre empresas e clubes de futebol na época da Copa do Mundo no Brasil, em 2014.

“O interesse das marcas estrangeiras fez do futebol um campo de patrocínios a qualquer custo, sem lógica de retorno sobre o investimento.”

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“Varejo é uma jabuticaba”

Outra tática é fortalecer a Olympikus como uma grife de produtos de alta performance e, para isso, há um plano de criar lojas próprias nos moldes das rivais Adidas e Nike.

Bartelle afirma que ainda não há definição de prazo ou número de unidades, mas o planejamento já começou.

“Estamos em estudo para ter lojas monomarcas, que sejam baseadas na omnicanalidade”, afirmou. “O varejo brasileiro é uma jabuticaba, em que um em cada quatro tênis é vendido pela internet e que, ao mesmo tempo, precisa oferecer para o consumidor a experiência de compra do varejo físico.”

A decisão de fortalecer a presença no varejo físico em paralelo à estratégia de se consolidar no digital — que hoje presenta 10% das vendas — é um plano acertado, na avaliação do presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira. “A combinação de lojas físicas e e-commerce tem contribuído para as empresas do setor recomporem suas perdas durante a pandemia.”

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No ano passado, a indústria brasileira de calçados produziu 848,6 milhões de pares, 3,6% mais do que em 2021. Em cifras, o faturamento atingiu R$ 31,22 bilhões, 27,3% maior na comparação anual. Ou seja, os produtos ficaram mais caros em reais e, com o dólar nas alturas, as empresas turbinaram suas exportações.

Os embarques ao exterior, de acordo com a Abicalçados, somaram 142 milhões de pares para 170 destinos, 14,8% superior ao período anterior. No mesmo intervalo de comparação, as receitas chegaram a US$ 1,3 bilhão, 45,5% mais do que em 2021 e melhor resultado em 12 anos.

A ofensiva da Vulcabras no mercado externo, principalmente no varejo europeu, será amparada no pilar da sustentabilidade da companhia.

Pelos próximos 13 anos, a empresa utilizará energia eólica para 100% de sua demanda de eletricidade. A Vulcabras contratou a energia produzida pela Casa dos Ventos, no Rio Grande do Norte, para reduzir a zero o consumo de fontes fósseis e evitar a emissão de 15 mil toneladas de CO2 por ano, o equivalente a 67 mil árvores.

Além disso, a companhia fez parceria com empresas para reutilização de retalhos de tecido e para produção de asfalto com os resíduos de borracha das linhas de produção.

O movimento permitiu à Vulcabras se tornar a única empresa do setor calçadista no Brasil a ter o certificado de origem sustentável e ESG na categoria Diamante — um cartão de visita para o exigente mercado consumidor europeu.

“Estamos prontos para continuar avançando em tecnologia, inovação e sustentabilidade, dentro e fora do Brasil”, afirmou Bartelle. E esta será a maior de todas as suas corridas.

ENTREVISTA

Pedro Bartelle, presidente da Vulcabras

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O desempenho recorde é resultado do plano de reestruturação?

Também é. Fizemos o que tinha de ser feito para a empresa voltar a crescer. Deu certo. Quando eu assumi, tínhamos o controle da empresa, mas não tínhamos velocidade. Agora temos os dois. A consultoria Galeazzi, que ficou com a gente até 2015, ajudou a fazer os ajustes. Decidimos que o foco precisava ser o esporte. A rentabilidade no segmento esportivo é muito maior. Demorei a tomar essa decisão, mas licenciar a Azaleia para a Grendene foi uma iniciativa importante. Eram duas empresas distintas dentro de uma mesma operação. Tudo é calçado, mas as dinâmicas dos segmentos feminino e esportivo são completamente diferentes, desde a forma de produzir até a forma de vender.

A Vulcabras pretende continuar a comprar empresas e incorporar marcas?

Sim, estamos abertos a oportunidades de investimento. Isso pode incluir aquisições ou licenciamento de marcas que tenham sinergia com as nossas.

A mercado de tênis esportivo vai continuar crescendo mesmo com o fim da pandemia?

Sim. É verdade que as vendas se intensificaram muito na pandemia. As pessoas mudam a forma como enxergavam os cuidados com a saúde. Investiram mais no bem-estar e se deram conta que quanto melhor fisicamente estivessem, melhor enfrentariam qualquer adversidade. Mas esses hábitos permaneceram e devem continuar crescendo. O material esportivo saiu do esporte e foi para o cotidiano das pessoas. Até a Faria Lima se rendeu. Hoje vemos executivos de bancos usando tênis no trabalho. O conforto virou prioridade.

Qual o plano para enfrentar a concorrência estrangeira?

Hoje não perdemos em qualidade para nenhum fabricante asiático. Estamos provando isso com nossos atletas. Fizemos mais de 100 pódios com o modelo Corre Grafeno, um tênis de altíssima performance e tecnologia totalmente nossa. Colocamos toda nossa inteligência para criar. Na Maratona Internacional de São Paulo, uma das três mais importantes do Brasil, nós ganhamos os cinco primeiros lugares no masculino e os quatro no feminino. Temos patrocínios com corredores africanos, com atletas do Quênia e de Uganda, que estão ajudando a mostrar nossa marca mundo afora. E com preços muito competitivos. Essa é uma exposição importante para nosso plano de crescimento no Brasil e no exterior.

E a concorrência com os chineses?

Hoje, com o dólar alto e a taxa de importação, conseguimos competir com qualquer fabricante asiático. Isso mantém os negócios com uma certa competitividade. Mas ainda somos prejudicados por uma concorrência desleal. Os custos lá ainda são mais vantajosos. Mas ganhamos em outras frentes. Entrego o melhor custo-benefício, com preço mais baixo e com qualidade. Temos 20% do mercado brasileiro de tênis e cerca de 25% no segmento de alta performance.

A decisão de investir na Europa é para compensar a queda na América Latina?

Os mercados da América do Sul têm sofrido bastante. Com a Olympikus, hoje vendemos para a Argentina, por exemplo, a metade do que era alguns anos atrás. Mas a estratégia de lançar a operação na Espanha, como foco em todo mercado europeu, é uma antiga vontade nossa. Queremos fazer da Espanha um laboratório para outros importantes mercados consumidores. E seguir abastecendo nossos vizinhos da América do Sul.

Qual a estratégia no e-commerce?

Crescer no digital, sem destruir as margens ou abrir mão dos resultados. O e-commerce no Brasil é muito promocionado. Muito mais promocionado do que vejo em outros países. Fazer liquidações o tempo todo, com produtos que já têm excelente custo-benefício, não é bom para os negócios.

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