“Quando a recompensa é a vitória e as outras chances se esgotam, um campeão precisa saber como passar ao modo ‘extremo’.”
(leia as colunas anteriores do Emerson Fittipaldi clicando aqui)
Talvez a mais incrível ultrapassagem “no limite” da minha era tenha sido a de Gilles Villeneuve sobre René Arnoux em Dijon-Prenois, 1979.
O Renault de René era mais rápido, e ele ultrapassou a Ferrari de Gilles e assumiu o segundo lugar perto do final.
Mas, se me pedissem para listar as das quais mais me orgulho, há duas que eu escolheria.
A primeira foi no GP da Argentina de 1973, o primeiro do ano. Eu era campeão e queria começar bem a defesa da coroa. Me classifiquei em segundo, atrás de Clay Regazzoni, e comecei mal a corrida, com François assumindo a liderança – mas Clay o passou na primeira volta. Em terceiro, vinha Jackie Stewart, à minha frente.
Seguimos assim por um terço da prova, até François e Jackie passarem Clay e as Tyrrell ficarem na liderança, com François na frente, Clay em terceiro e eu, em quarto.
Tentando manter Jackie longe, Clay gastou os pneus até perderem aderência – aí consegui passar sua BRM e caçar as Tyrrell.
Teria que fazer algo extremo. Seguindo Jackie, vi que o “combo” das últimas curvas era o ponto de ultrapassagem ideal – uma longa descida parabólica à direita seguida por uma complicada curva à esquerda de 90 graus.
Uma das táticas que aperfeiçoei foi nunca “mostrar o nariz” na aproximação da curva em que pretendia ultrapassar. Assim, quando atacava, surpreendia o oponente.
Comecei a fintar na abordagem em várias curvas – Jackie sempre me aparava de modo hábil, mas eu sempre ficava atrás nas últimas curvas. Na 75ª volta, vi que os pneus de Jackie estavam gastos, e decidi atacar.
Nas últimas curvas, atrasei a frenagem e travei as quatro rodas enquanto girava minha Lotus por dentro da Tyrrell, depois jogando meu carro para a direita, de lado, controlando a derrapada e mantendo-o dentro do traçado de Jackie e “puxando” tudo de volta para a frente enquanto o passava pela curva à esquerda de 90 graus.
Foi uma ultrapassagem até melhor, já que os pneus dele ainda estavam bons e ele brigou comigo a cada centímetro.
Saboreei a vitória e ainda me orgulho dela. Combinei a estratégia certa com táticas apropriadas e acertei as ultrapassagens de modo agressivo. Não havia margem para erros em nenhuma delas, mas os riscos foram calculados.
Nunca teria tentado isso nas primeiras voltas, ou se o prêmio fosse só uma colocação melhor. Mas, quando a recompensa é a vitória e as outras chances de ultrapassagem se esgotam, um campeão precisa saber como passar ao modo “extremo”.
Foi o que fiz naquela tarde de janeiro, há quase 50 anos.
MAIS NA MOTOR SHOW: