Automóveis elétricos: a miragem do hidrogénio

Entre os comentários mais frequentes que ouço ao pessoal que não quer trocar o seu ICE por um EV surge sempre o hidrogénio.

A ideia é de que isto dos carros elétricos com baterias é coisa transitória, porque o futuro está nos veículos movidos a hidrogénio. “Vou esperar pelo hidrogénio”, garante este pessoal.

automóveis elétricos: a miragem do hidrogénio

Ilustração conceptual, gerada por IA, de um carro a hidrogénio

Eu sei que isso não irá acontecer, por duas razões, relacionadas entre si: a primeira, é porque isto é malta que se está nas tintas para os aspetos ambientais dos veículos ligeiros de passageiros e usa este argumento com forma de justificar a sua inação; a segunda é que, mesmo que isso viesse a acontecer no futuro (e, como veremos, não irá), o hidrogénio será (já é) muito mais caro do que gasolina ou gasóleo.

O argumento do hidrogénio é sobretudo disseminado pelo lobby petrolífero e algumas marcas que estão atrasadas no processo de eletrificação – ou pretendem atrasá-lo. Depois, é partilhado por pessoas que usam estes artigos para justificar as suas convicções. Mas vamos por partes:

  1. Um veículo a hidrogénio continua a ser… um veículo elétrico!

Uma coisa de que muita gente não tem noção é que os veículos elétricos a hidrogénio são efetivamente veículos elétricos. Tal como os EVs (em rigor, BEV, iniciais de Battery Eletric Vehicles), os FCEVs (Fuel Cell Eletric Vehicles) têm um motor elétrico; a diferença é que a energia dos primeiros provém de uma bateria e a do segundo de uma célula de combustível alimentada por hidrogénio.

  • A combustão direta do hidrogénio em motores de combustão não é algo que seja exequível na prática.

Para ilustrar este ponto, remeto-vos para este vídeo do excelente canal Engineering Explained no YoutTube. Ou para este, que também é divertido.

  • O hidrogénio não é poluente… mas a sua produção é!

O hidrogénio é o elemento mais comum no universo, mas tem um problema: não existe na natureza, de forma isolada. No planeta Terra, para obtermos hidrogénio é preciso produzi-lo, o que acontece através de uma diversidade de processos.

Hoje (dados de 2020), a esmagadora maioria do hidrogénio produzido em todo o mundo (95%!) é proveniente de combustíveis fósseis. Só uma pequeníssima percentagem provém da eletrólise da água feita através de energia produzida através de fontes renováveis – a única forma de nos assegurarmos de que o hidrogénio não vai contribuir para a libertação de mais CO2.

  • O hidrogénio pode ser interessante para o transporte… pesado

Dadas as condicionantes de usar células de combustível em veículos ligeiros de passageiros, o hidrogénio – desde que produzido de forma a que não se liberte mais CO2 para a atmosfera – pode efetivamente ser uma solução para veículos de transporte, mas de grande porte: como é o caso de camiões, navios ou comboios – embora seja discutível se, neste caso, não fará mais sentido eletrificar as linhas já existentes!

  • O hidrogénio serve os interesses das empresas petrolíferas

A disseminação da ideia de que o hidrogénio é a “solução final” e os EVs a baterias são apenas um produto de transição serve sobretudo o interesse das empresas petrolíferas. Caso isto se tornasse uma realidade (o que, felizmente, tudo indica não irá acontecer), seriam elas que iriam manter o monopólio da sua produção e distribuição, através da rede que já possuem, ainda que com necessidade de ser atualizada para as especificidades de armazenamento deste gás.

Pelo contrário, o carregamento de EVs pode ser feito de forma descentralizada – no limite, gratuitamente (ou quase), em habitações com sistemas de auto-geração.

  • Quem já experimentou… quer outra coisa

São muito populares, nas redes sociais, notícias sobre “avanços” no hidrogénio. Menos populares são as notícias de quem já apostou nessa via e se arrependeu amargamente. Como ainda aconteceu recentemente (2022) na cidade francesa de Montpelier, onde uma encomenda de autocarros a hidrogénio no valor de 29 milhões de euros foi cancelada depois de alguém fazer as contas e descobrir que a operação de uma frota idêntica de autocarros elétricos custa… seis vezes menos.

Outros artigos interessantes:

* António Eduardo Marques conduz diariamente um EV e é responsável pela página Auto Electric no Facebook.

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