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Motorista e aplicativo podem responder por caso de jovem estuprada em BH, dizem especialistas

PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – O motorista de aplicativo que abandonou uma passageira de 22 anos aparentemente desacordada em frente ao prédio dela em Belo Horizonte pode responder nas esferas criminal e civil pelo seu ato, segundo especialistas ouvidos pela Folha. A jovem acabou foi carregada e estuprada por um homem, que está preso.

A 99 também pode responder na esfera civil, ainda que seus termos de uso tentem isentá-la.

Questionada pela Folha de S.Paulo se entende ter responsabilidade sobre a conduta do motorista e se ele teria violado alguma norma da empresa, a 99 respondeu por meio de nota que “lamenta o ocorrido após a conclusão da corrida” e que “aguarda que a polícia esclareça fatos e responsabilidades, estando à disposição para colaborar”. O motorista foi bloqueado do aplicativo.

O Ministério Público de Minas Gerais disse que acompanha a investigação e espera o resultado do inquérito policial.

O motorista já prestou um depoimento à Delegacia Especializada de Combate à Violência Sexual, da Polícia Civil, quando devolveu o celular da vítima. Segundo ele, o aparelho foi encontrado por outro passageiro. A investigação corre em segredo de Justiça, e o nome do homem não foi divulgado.

Horas antes do crime, a vítima esteve em um show e consumiu bebida alcoólica. Ela entrou sozinha em um carro de aplicativo, chamado por um amigo, para voltar para casa no bairro Santo André.

Por volta das 3h, conforme imagens de câmeras de segurança, o carro chegou ao endereço da vítima, onde seu irmão dormia e não ouviu o interfone. Com a ajuda de um pedestre, o motorista retirou a jovem e a colocou sentada no meio-fio enquanto ele tocava o interfone. Às 3h17, o motorista vai embora, abandonando a jovem.

Cinco minutos depois, um outro homem aparece caminhando pela rua. Ele pega a jovem e a leva para um outro local, onde foi estuprada, aponta a apuração até o momento. O principal suspeito é Wemberson Carvalho da Silva, 47, que está preso preventivamente. Em seu primeiro depoimento, ele teria negado o crime, dizendo ter apenas levado a jovem a um local seguro.

Ao abandonar a jovem, o motorista pode ter violado três artigos do Código Penal, mas o enquadramento legal da sua conduta não é simples, conforme especialistas.

O primeiro crime ao qual ele pode responder está descrito no artigo 133, que tipifica o “abandono de incapaz”. O texto diz ser crime “abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e por qualquer motivo incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono”.

O segundo está no artigo 135 e é “omissão de socorro”. Diz ser criminosa a conduta de “deixar de prestar socorro a quem não tenha condições de socorrer a si próprio ou comunicar o evento a autoridade”.

Porém, alguns termos dos artigos dificultam os enquadramentos.

“A lei fala em ‘cuidado, guarda, vigilância ou autoridade’. Vejo esses termos utilizados entre uma babá e uma criança, médico e paciente, salva-vidas e banhista, mas não suficientemente claros na relação entre um motorista e uma passageira”, pondera o criminalista Antônio Tovo.

Casos de embriaguez tampouco costumam ser enquadrados em omissão de socorro.

Conforme Tovo, o caso de Belo Horizonte se enquadraria melhor no artigo 13, quando a lei fala em “relevância da omissão” e diz que “a omissão é penalmente relevante quando o omitente [pessoa que se omite] devia e podia agir para evitar o resultado”. O ponto-chave é dizer também que o dever de agir cabe a quem, “com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.

“Se, por um lado, não me parece tão claro que ele precisaria legalmente ter agido em socorro da moça, por outro ele não poderia ter agido para aumentar esse risco. Ao retirá-la do carro e abandoná-la, o motorista criou um risco que não havia antes. Um risco tão claro que minutos depois um homem a levou”, diz Tovo.

Já na esfera civil, também é cabível que a vítima busque indenização por danos morais do motorista e da empresa. Ainda que, em seus termos de uso, a 99 tente se isentar de responsabilidade sobre os atos dos seus “motoristas parceiros” em relação aos passageiros e vice-versa.

No artigo 4.10.1 dos termos de uso para motoristas, ele concorda em “manter a 99 indene em relação a quaisquer demandas, perdas, prejuízos ou danos direta ou indiretamente relacionados a atos ou fatos” causados por eles.

O texto diz ainda que o motorista “é o único e exclusivo responsável por todos e quaisquer problemas relativos ao serviço de transporte, bem como por quaisquer condutas indevidas ou ilegais que pratique”.

No artigo seguinte (4.10.2), a 99 descreve casos de emergência, mas não fala em responsabilidade, e sim em orientação. Diz que, caso o motorista se depare com situações de insegurança ou emergência com os passageiros (como pessoas passando mal ou inconscientes durante a corrida), “orienta-se que acione os serviços de emergência ou se possível conduza a pessoa ao serviço médico/hospitalar mais próximo”.

Já nos termos de uso dos passageiros, a 99 diz que é “expressamente se isenta de prestar qualquer garantia e não se responsabiliza por qualquer motorista/motociclista parceiro” e tampouco de “quaisquer atos, fatos, perdas, danos e prejuízos relacionados direta ou indiretamente” aos serviços prestados por eles.

Porém, segundo especialistas, o argumento de que as empresas não têm responsabilidade sobre os atos dos seus motoristas não vem recebendo respaldo da Justiça. Em 2021, por exemplo, a Justiça do Distrito Federal condenou a Uber a indenizar em R$ 4.000 por danos morais uma passageira após um motorista se negar a deixá-la sair do carro sem pagar pela corrida em dinheiro, a levando até uma delegacia.

“Embora as empresas tenham tentado uma roupagem de algo próximo a uma carona, ficou clara a relação de prestação de serviço em que o passageiro é consumidor. As empresas vêm respondendo na Justiça pelas ações dos motoristas assim como o município responderia como corresponsável pelo ato de um taxista. Isso já está bastante consolidado”, diz o advogado Alexandre Curvelo, doutor pela PUCRS.

Curvelo alerta ainda que, uma vez que haja uma condenação penal, uma indenização civil subsequente é prevista em lei. As ações civis, todavia, não dependem da existência de uma criminal.

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