A maior parte das recusas a tratamento por parte de planos de saúde que vão à Justiça de São Paulo são de atendimentos para as pessoas com autismo, é o que aponta pesquisa feita pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) em parceria com a PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). O estudo coletou dados de janeiro de 2019 a agosto de 2023, obtendo um número de 40,6 mil processos.
Em 16,8 mil ações foi possível determinar a condição de saúde e em 3 mil delas, o paciente que buscava atendimento possuía Transtornos Globais do Desenvolvimento. Uma estimativa da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde) aponta que, no mundo, uma em cada 160 pessoas possui TEA.
+ Comissão aprova validade permanente para diagnóstico de autismo
De acordo com a pesquisa, o aumento de ações judiciais causadas por recusas de planos de saúde aumentou durante a pandemia de Covid-19, que ocorreu, no Brasil, dos primeiros meses de 2020 até abril de 2022, mas retornou aos níveis registrados nos anos anteriores após tal período.
A pesquisadora do programa de saúde do Idec, Marina Magalhães, afirma que não é possível determinar exatamente o que teria causado a acumulação de ações judiciais contra os planos de saúde. “O que podemos especular é que no período pandêmico houve um aumento no número de negativas”, explica a especialista, supondo que os serviços de saúde estariam focados na Covid-19 e deixaram em espera outros pacientes.
“Outra possibilidade é o fato de que, durante o período, houve um aumento de clientes associados a planos de saúde. Na medida que há um número maior de consumidores, há mais demandas que acabam na Justiça”, complementa Marina Magalhães.
Tratamento ao Autismo
A especialista esclarece que, apesar das questões legais, muitas empresas sustentam que não existiriam clínicas credenciadas ao fornecimento de terapias, que o paciente estaria pedindo muitos recursos terapêuticos ou alguma modalidade de procedimento não é coberta pelo plano. “A partir da aprovação da chamada ‘Lei do Rol’, as operadoras são obrigadas a cobrir tratamentos que não estejam no rol desde que tenham eficácia comprovada.”
Direito do Consumidor
Marina Magalhães explica que, a partir de 2022, houve alterações significativas na regulação de planos de saúde, principalmente após a “Lei do Rol”. O rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) é uma lista de consultas, exames, cirurgias e tratamentos que as operadoras são obrigadas a oferecer ao consumidor.
Entretanto, de acordo com a especialista, a recente legislação também determina a cobertura de procedimentos que não estejam no rol da ANS, mas tenham comprovação científica comprovada, para consumidores que possuem prescrições médicas exigindo tais tratamentos. “O paciente precisa conferir se a negativa está de acordo com a lei”, relembra Marina Magalhães.
Apesar disso, Marina Magalhães ressalta que um processo contra plano de saúde só deve ser movido após a demanda não ser resolvida mesmo depois de reclamação à ANS, processo administrativo em que a empresa deve reavaliar a negativa e justificá-la. “O Idec não recomenda que os pacientes judicializem, porque é um gasto e o consumidor se coloca em um risco de perder a ação”, conclui.
Segundo estudo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), entre 2018 e 2021, 67% das decisões judiciais em primeira instância relativas aos transtornos mentais no estado de São Paulo foram favoráveis aos consumidores. Em relação aos pedidos de terapia para tratamentos de autismo, 69% dos pedidos dos consumidores foram atendidos pela Justiça.
O que dizem as operadoras
Em resposta, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que representa 13 planos de saúde no Brasil, argumentou contra o estudo do Idec e da PUC-SP. A entidade alega que os números oficiais da ANS sugerem uma visão contrária à de que as operadoras possuem altos índices de recusa aos tratamentos de TEA.
“Entre 2019 e 2022, os planos de saúde garantiram mais de 31 milhões de atendimentos de fonoaudiologia, 103 milhões de consultas de psicologia e outras 12 milhões de sessões de terapia ocupacional”, afirmou a FenaSaúde, acrescentando que o aumento de diagnósticos de TEA demanda mudanças para que as operadores se adequem à demanda e oferta da rede de atendimento.
**Estagiário sob supervisão