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Alheios à polêmica sobre a liberação dos serviços de viagens com motocicletas para passageiros – a Prefeitura de São Paulo suspendeu o Uber Moto na semana passada e promete regulamentar a atividade –, moradores de vários bairros já enxergam a garupa das motos como uma opção de transporte no dia a dia. Principalmente nos terminais urbanos da zona sul da cidade, as motos dividem espaço com veículos por aplicativos, vans e ônibus. Para atrair mais passageiros, os mototáxis oferecem de capacetes higienizados a Wi-Fi gratuito.
No Grajaú, na zona sul, cerca de 50 motos se dividem em três terminais (Varginha, Estação Grajaú e Estação Mendes Vila Natal) diariamente. Elas ficam estacionadas em fila, como nos pontos de táxi, mas muitos mototaxistas “passam a vez” quando a corrida não é atrativa – existe uma tabela de preço, baseada na distância até o destino, mas há espaço para pechincha. Eles trabalham uniformizados do lado de fora dos terminais. Por causa da informalidade da atividade, os profissionais se mostraram receosos com a presença do Estadão na noite da última segunda-feira. Desconversam e evitam detalhes sobre o trabalho; a maioria prefere usar nomes fictícios.
Serviço de mototáxi já faz parte do dia a dia dos moradores do Grajaú, na zona sul da cidade. Foto: Alex Silva/Estadão
A discussão sobre os mototáxis ganhou força na semana passada depois que a empresa de transporte por aplicativo Uber anunciou o serviço em São Paulo. Um dia depois, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) assinou um decreto suspendendo o serviço por tempo indeterminado. A Prefeitura vai criar um grupo de trabalho para analisar a viabilidade e a segurança do serviço. No Rio, o prefeito Eduardo Paes também se mostrou contrário ao Uber Moto.
Edgar Souza afirma que trabalha como mototaxista desde 2017, sempre com crescimento da demanda. Foto: Alex Silva/Estadão
O grande desafio é a segurança. Os motociclistas estão entre as principais vítimas de acidentes de trânsito. Em 2021, foram 380 mortes em acidentes na capital, de acordo com o Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo (Infosiga). Isso representa 45% dos óbitos no trânsito no ano passado.
Para contornar o problema, João Neto, de 35 anos, afirma que os profissionais são orientados a tomar precauções adicionais, como evitar passar pelo canto das lombadas, por exemplo. Para os clientes, principalmente os iniciantes, a principal recomendação é acompanhar as curvas e deixar o “corpo mole”. Edgar Souza afirma que nunca houve um acidente sério com mototáxi em sua equipe em seis anos de atividades.
Wi-Fi grátis e capa de chuva
Para conquistar passageiros, os mototáxis oferecem alguns atrativos. No Terminal Santo Amaro, Jeremias da Silva, nome fictício, higieniza os capacetes com álcool 70% a cada viagem, oferece capa de chuva e até Wi-Fi grátis – o sinal é cedido a partir do seu próprio celular por meio do roteador. “É uma estratégia para atrair os clientes. Depois, ele volta por causa do atendimento e da qualidade”, diz o motorista que atua no local desde 2017.
Junto com um sócio, Jeremias faz cerca de 10 viagens por dia. O volume é baixo, em sua avaliação, porque as distâncias são longas. De Santo Amaro até o centro da cidade são 50 minutos ao custo de R$ 50 a R$ 60. “Sempre aparecem novos clientes, sempre tem gente que precisa. O movimento cresce em dias de greve de ônibus e nos finais de ano.”
Mototaxistas atuam uniformizados e possuem uma tabela de preços que abre espaço para negociações e pechinchas. Foto: Alex Silva/Estadão
Quem se aproxima para perguntar o preço, em geral, está com pressa. A empregada doméstica Aline Silva, de 32 anos, precisava chegar em casa rápido para que sua filha de 5 anos não ficasse sozinha após a saída da babá. O tempo estimado do terminal Grajaú até o Parque Residencial Cocaia era de 20 minutos; de ônibus, não levaria menos que 1h30.
Os desafios da falta de regulamentação
No Brasil, a profissão de mototaxista é regulamentada pela Lei Nº 12.009, de 2009, a mesma que trata do serviço dos motoboys. Em junho de 2018, o então prefeito Bruno Covas (PSDB) proibiu o transporte remunerado de passageiros em motocicletas. Um ano depois, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que a lei é inconstitucional e liberou a atividade na cidade, embora não exista regulamentação.
João Neto, um dos líderes da categoria, defende o cadastramento dos mototaxistas na Prefeitura, com capacitação e treinamento sobre manutenção, fiscalização, transporte e conduta. Ele defende a padronização do serviço em todas as regiões da cidade. Uma das metas da categoria é inaugurar duas bases de cadastramento de profissionais, uma na Barra Funda, na zona oeste, e outra na região da Santa Ifigênia, no centro, no mês que vem.
Demanda por mototaxistas cresce em alguns bairros mesmo antes da chegada do serviço da Uber a São Paulo. Foto: Alex Silva/Estadão
O que diz a Prefeitura
A Prefeitura de São Paulo informou, em nota que, “a segurança dos motociclistas, a redução no número de acidentes fatais no trânsito e o impacto no sistema público de saúde são preocupações do prefeito Ricardo Nunes”. A redução no número de óbitos por sinistros no trânsito consta, inclusive, como meta 39 do Programa de Metas da Prefeitura. O objetivo é reduzir o número de casos fatais por 100 mil habitantes, que, em dezembro de 2020, indicava 6,56 para 4,5 em 2024.
“As questões relacionadas a acidente de motos levam a situações gravíssimas, inclusive óbitos. Então, não é possível que a cidade de São Paulo vá poder assistir a uma empresa que é importante para a cidade, sediada aqui, fazer alguma atividade sem que nos apresente qual é o plano, quantas pessoas podem ser transportadas, se tem segurança, se vai ter o capacete”, disse Nunes em entrevista à Rádio Eldorado nesta terça-feira, 10. “Precisamos salvar as vidas. Não posso deixar que qualquer atividade na cidade seja implementada sem que a gente possa garantir a vida das pessoas.”
A partir da proibição, em decreto, do Uber Moto, um grupo de trabalho foi formado para discutir sobre como a atividade pode ser oferecida de forma legal e com a maior segurança possível para todos os envolvidos. Os representantes vão analisar o serviço, que ainda depende de regulamentação municipal, com base em estudos e dados.
A Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado também estudam uma parceria para reduzir a fila de espera de cirurgias ortopédicas na cidade. A gestão municipal apresenta 88.945 pacientes para cirurgia em várias especialidades, como joelho, quadril, ombro, cotovelo, coluna, pé e mão. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, da Secretaria Municipal de Saúde, registrou 11.795 ocorrências com automóveis versus motos e bicicletas em 2022 e 12.385 em 2021. A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) indicou um número de 345 vítimas fatais por acidentes de motocicletas em 2020.
A administração já adota diversas ações de segurança voltadas aos motociclistas, como a Faixa Azul, instalada na Avenida 23 de Maio e na Avenida Bandeirantes.