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Auto de Natal do Recife volta a receber o público presencialmente depois de dois anos

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Um dos mais tradicionais espetáculos teatrais natalinos do Brasil, o Baile do Menino Deus volta a receber público presencialmente após dois anos passando por experimentações com o formato audiovisual devido às restrições impostas pela pandemia da covid-19. Apresentada desde 2003 no Marco Zero do Recife, a peça teve sua estreia em 1983 e reconta o nascimento de Jesus mesclando linguagens artísticas populares e eruditas, provenientes dos reisados e das óperas. As apresentações são gratuitas e ocorrem entre 23 e 25 de dezembro, sempre às 20h.

Na peça, Mateus é um personagem picaresco que tenta encontrar a casa em que um menino acaba de nascer para prestigiar a nova vida. No caminho, acaba encontrando muitas portas fechadas, além de um verdadeiro cortejo de criaturas mitológicas e fantásticas extraídas das tradições folclóricas de diversas regiões do Brasil.

“Quando a gente se programou para voltar ao Marco Zero, pensamos em levar um espetáculo bem diferente”, explica o escritor e dramaturgo cearense Ronaldo Correia de Brito. “Sempre trabalhamos naquele conceito de abrir portas. A gente vem de uma noite escura buscando uma luz e buscando abrir portas. Essas portas já significaram muitas coisas: a quebra de fronteiras, do individualismo, da desigualdade.”

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Auto de Natal Baile do Menino Deus, realizado no Marco Zero no Recife Foto: Hans Manteufell

Com a pandemia, o Baile do Menino Deus se viu obrigado a inovar, deixando o formato presencial em prol de uma experiência cinematográfica. “Em 2020, levamos nosso cenário para um teatro e o montamos lá. No ano seguinte, desmontei minha orquestra, desmontei tudo e fiz uma experiência totalmente diferente. Criei um José e uma Maria que saem de Nazaré da Mata, da zona da mata de Pernambuco. Então eles chegam a Belém de ônibus”, relembra Ronaldo.

“Depois de ter feito esse filme, não podíamos voltar ao mesmo espetáculo, então criamos um espetáculo completamente novo, em que José e Maria são protagonistas importantíssimos”, conta Ronaldo. “Introduzimos muitas músicas novas belíssimas e criamos uma orquestra que é uma banda. Introduzimos instrumentos com os quais a gente não trabalhava, como clarinete, clarone, muita coisa percussiva, um contrabaixo muito jazzístico. Os arranjos foram todos refeitos, o figurino foi completamente mudado.”

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Celebração acontece desde 2003 e foi interrompida durante a pandemia de covid-19 Foto: Hans Manteufell

Em 2022, a diretora paulista Cibele Forjaz foi convidada para colaborar com o Baile, que, segundo Ronaldo, usa a noção de tríptico do teatro medieval e da pintura pré-renascentista, dividindo os planos em humano, angelical e divino. “Esse ano, conceitualmente, nós trabalhamos a ideia de que o divino desça ao homem. Ele vai continuar existindo, mas o divino é que deve ser humanizado. A orquestra não é mais de formato sinfônico, é uma orquestra muito mais popular, as músicas foram rearranjadas, nós aumentamos o palco, mudamos completamente a cenografia e trouxemos José e Maria para a cena. O profano que bate à porta do sagrado e o sagrado que vai abrir.” Para Ronaldo, esse contraste evidencia como o teatro popular nordestino preservou o que, segundo ele, “os grandes dramaturgos procuraram, que é a relação entre o sagrado e o profano”.

Entre as novidades da atual edição do Baile, está uma nova abordagem, mais serena musicalmente, no momento em que Maria ergue o menino, um dos pontos fulcrais da peça. “Nós passamos quatro anos de uma mentira enorme, de um discurso mentiroso e falso sobre Deus, família e pátria, típico do nacionalismo. Em vez de a gente botar uma música percussiva, severa, quando a porta se abre serenamente é tocada uma peça do barroco”, revela o diretor. “A peça se torna uma grande celebração de vida, do nascimento, uma afirmação da vida sobre a morte e contra a morte.”

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Depois de experimentações audiovisuais, projeto que é encenado desde o começo dos anos 2000 ganha fôlego cinematográfico Foto: Hans Manteufell

Com seus elementos populares, o Baile se coloca como um contraponto aos festejos mais influenciados pelo Natal enquanto data comercial. “O nosso Natal ainda faz referência a figuras que deram origem à celebração do Natal, que é o menino Deus, que é uma figura pré-cristã. Todos esses mitos se preservaram e se guardaram aqui e as pessoas são tocadas por isso porque talvez no seu inconsciente mais recôndito, nas suas memórias mais arcaicas, ainda se guarde um pouco disso.”

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