AGENDA NA MESAMotoboys querem o fim das entregas duplas e triplas, valores melhores pelas corridas e garantias como seguros, além da inclusão nas discussões da categoria. Rodrigo Paiva/Getty Images via AFP
O tema já corre o planeta, e nunca sem grandes batalhas. A principal delas, nos Estados Unidos, rendeu novas legislações, que devem fundamentar as discussões por aqui. Em 2019, o governo da Califórnia sancionou a AB5. A Lei é baseada num teste de três perguntas: a) se o trabalhador é livre de controle da empresa, b) se o trabalho está fora do curso normal de negócios da empresa, c) se o trabalhador normalmente opera um negócio separado da empresa (ver quadro abaixo). A partir disso ela define quem tem ou não vínculo empregatício. A decisão desagradou profundamente companhias que têm motoristas baseados em aplicativos, como Uber, Lyft e DoorDash. Elas e outras do segmento iniciaram um dos maiores lobbies da história americana investindo mais de US$ 200 milhões para fazer nascer (2019) e aprovar (2020) a Proposição 22, que criou a figura do “contratado independente”. Logo depois de seu nascimento, Dara Khosrowshahi, CEO da Uber, comemorou. “Cada vez mais defenderemos com mais veemência novas leis como a Proposta 22”, afirmou. “Iremos trabalhar mais com os governos dos Estados Unidos e do mundo para tornar isso realidade.”
Perguntas-chave da AB5, e outros questionamentos vinculados à questão de alguém se enquadrar ou não como autônomo, deverão construir o mesmo caminho no Brasil. Mas é pouco provável que a relação entre esses trabalhadores e as companhias crie uma relação celetista. “Os requisitos que a CLT usa para caracterização de vínculo utilizam muitos elementos que são diferentes do trabalho em plataforma”, disse à DINHEIRO Carlos Eduardo Ambiel, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Ambiel Advogados.
Para ele, há necessidade de uma nova legislação para respaldar essa nova forma de trabalho, que difere do que existia no século passado. O modelo deve ser parecido com a Proposição 22 e sua concessão de direitos mínimos para os trabalhadores, mas sem a caracterização de uma relação típica de emprego. Na prática, todos os lados envolvidos querem minimizar a probabilidade de inviabilizar esse tipo de serviço, o que faria a taxa de desocupação no Brasil dar um salto. “Os aplicativos têm empregado muita gente e auxiliam na própria demanda do consumidor”, disse Ambiel. “Mas simultaneamente o trabalhador não pode ficar totalmente sem algum tipo de proteção ou favorecimento.”
INTERESSES O maior empecilho da discussão está nos interesses políticos por trás de cada grupo participante. As empresas prezam pela solução que menos implique diminuição de margens, repasse de custos aos usuários e clientes ou passivos trabalhistas. Já os prestadores prezam por melhores condições de trabalho e segurança. Há ainda um terceiro interessado na questão, os sindicatos. Para Ricardo Patá, Presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), é normal que as forças sindicais peçam por um vínculo trabalhista, até por uma questão cultural e histórica da categoria. Mas o foco da discussão deve ser conseguir a melhor solução para um desempenho digno da função dos prestadores. “Eu prefiro a formalização, é claro, mas o mundo mudou e nós precisamos adaptar o movimento sindical.” A principal preocupação da UGT é sobre a segurança dos trabalhadores.
“Os apps têm empregado muita gente e auxiliam na própria demanda do consumidor, mas os prestadores não podem ficar sem algum tipo de proteção” Carlos Ambiel Especialista em direito do trabalho.
PAUTA Entre os motoboys, as principais reivindicações são sobre o fim das entregas duplas e triplas, em que mais de um endereço é visitado ao longo de uma rota, nas quais a remuneração não corresponde aos valores cheios das entregas se cada viagem fosse feita separadamente; reajuste da taxa de entrega; e a volta do plano bike, por R$ 9,90, no qual o prestador pode utilizar uma bike disponibilizada pela empresa para o desempenho da função e uma apólice de seguro. As informações foram disponibilizadas em uma carta da Aliança dos Entregadores de Aplicativo que também tinha exigências como a participação da categoria em todas as discussões relativas ao ofício, a criação de um fundo social de proteção ao trabalhador e um canal direto de diálogo sobre o tema com os principais players responsáveis pelo ecossistema.
Do lado corporativo, os discursos parecem estar alinhados, desde 2021 o iFood apoia publicamente o diálogo sobre a regulação do trabalho em plataformas, e reforça que ela deve envolver os entregadores e entregadoras, governo e setor. “A representatividade da categoria no debate com o poder público é fundamental”, afirmou a empresa em nota para a DINHEIRO. A Uber também disse em nota que defende publicamente a inclusão dos trabalhadores de aplicativo na Previdência Social, em um modelo onde as plataformas pagam parte das contribuições de forma a reduzir o valor desembolsado pelos prestadores. Além disso, considera o modelo legislativo atual da categoria caro e burocrático, posicionando-se a favor de uma normativa mais vantajosa para motoristas. Juntar governo, empresas e trabalhadores para a construção de uma legislação que contemple a gig economy parece ser a saída. E nesse caso o Brasil pode mostrar o melhor caminho ao mundo.